terça-feira, novembro 24, 2015



Morrissey – Your Arsenal (Parlophone, 1992)


Terceiro álbum de estúdio de Morrissey, Your Arsenal pode vislubrar aos fãs do cantor um retorno às plagas da poesia e do rock sem retoques dos Smiths. Com uma banda mais que entrosada e com a produção de Mick Ronson, músico da fase áurea de Bowie, Morrissey declama seus versos de amor e ódio em temas memoráveis como “You're Gonna Need Someone On Your Side”, “I Know It's Gonna Happen Someday” - regravada por David Bowie no álbum "Black Tie White Noise" - e a lírica “Tomorrow”.



Loretta Lynn – Van Lear Rose (Interscope, 2004)


Quando o universo country perdia sua relevância para rótulos indistintos como o Alt. Country, Loretta Lynn ao longo de seus 60 anos dissolve os emblemas e surpreende ao lançar este belíssimo Van Lear Rose, desde já um dos melhores do ano. Dilacerante do início ao fim, o álbum conta com a produção e participação de Jack White (White Stripes). “Portland Oregon” (dueto com Jack White), “Trouble On The Line”, “Little Red Shoes” e “Miss Being Mrs” podem bem resumir todo o espírito de Van Lear Rose. Um ótimo libelo a ser seguido por cantoras como Neko Case, Rosie Thomas e Gillian Welch.

sábado, fevereiro 14, 2009

Lázaro que retorna sem equimoses na pele


Boa tarde,

Por aqui retorno. Alguém já disse que vergonha na cara é algo insuspeitável e, admito, não tenho nenhuma.

Bem-vindo a mim e aos textos que escreverei.


Júlio.


MIGALA


O tempo em São Paulo não é nada previsível: calor e frio oscilam sem maiores preocupações e estragam consideravelmente o humor de quem aqui vive. Sábado frio, decidi revisitar os discos do Migala, banda espanhola já comentada algumas vezes aqui no blog.

O primeiro disco que ouvi foi o Arde (2000) lançado pelo selo espanhol Acuarela.

Fiquei curioso em ler um comentário feito pelo amigo Camilo Rosa, feito há alguns anos, das impressões que o disco nele criara. Isso foi o que bastou para que eu me motivasse a escrever.

Não serei redundante, não repetirei as loas entoadas para a qualidade dessa banda que, em 2005, infelizmente, encerrou as atividades.

Mas fica o convite para quem não conhece em se permitir uma incrível aventura.

A discografia da banda é pequena: cinco álbuns apenas.

  • Diciembre 3 a.m. (1997, Acuarela)
  • Así duele un verano (1998, Acuarela)
  • Arde (2000, Acuarela/Sub Pop)

  • Restos de un incendio (2001, Acuarela)
  • La increíble Aventura (2004, Acuarela)

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Tributo ao Sebadoh

Talvez eu participe de um tributo ao Sebadoh.
A tarefa mais difícil é reunir minha ex-banda,
Submerge, para tal tarefa.
Estou indo à Brasília, lá farei contatos e certamente
gravarei alguma coisa.

quinta-feira, novembro 25, 2004

American Music Club




o andarilho volta a casa
por João Bonifácio



Dez anos depois de ter posto termo à aventura gloriosa e falhada dos American Music Club, Mark Eitzel volta ao lugar do crime mas diz que já perdeu o sonho "de vir a ser uma rock star". Dez anos depois de ter posto termo ao mais belo combo americano de andarilhos dos últimos vinte anos, de ter criado um universo inimitável, de ter iniciado o tão em voga cruzamento entre country, folk, punk e vaudeville, Mark Eitzel reúne-se aos antigos companheiros de penúria para conceber aquele que é um dos grandes discos de música americana do ano, "Love songs for patriots". Disco novo com ideologia anti-neo-liberalismo inclusa - mas é treta: é ainda e sempre a decantação carinhosa da América do ponto de vista da marioneta a quem roubaram os fios de nylon, o bom e velho pontapé nas virilhas de um país que há muito perdeu os testículos, como Eitzel tem repetido ao longo dos anos. País que Eitzel só ama por tanto o desprezar.

Gostávamos de dizer: falámos com Mark E., senhor de tal, dizem que cançonetista, mas é mentira, aquilo não foi falar. Estranhíssima personagem, Mark Eitzel, mesmo que ao longo do tempo tenhamos aprendido a viver com o seu auto-desafecto, a auto-ironia, a irrisão. Conhecemos-lhe o mau humor, o humor amargo, o humor cínico, o humor violento, o humor patético, enfim, toda uma artilharia de doçaria inclusa. Naquele dia estava mal-disposto. Tem o seu direito. Ninguém anda por aí impunemente a resgatar as palavras ao barro das coisas para depois sorrir como se não pesasse. Pesará, certamente. Uns dias depois da não-conversa, o cowboy lobotomizado voltou a sentar-se à sela do elefante cego chamado América. Se cumprir a promessa, há-de estar de partida. Ainda e sempre e como na canção: à procura de "Home". Como se não soubesse que a morada de um homem está nas palavras. As dele. Acreditai.

obsessões de um andarilho. Sempre houve canções-âncora na obra dos American Music Club (AMC). Bandeiras para a extrema unção do abandono. Não se fala delas em voz alta, talvez porque doa, não se sabe. Sabe-se, isso sim, sempre, quem presta culto às esculturas estaladas de uma cerzidura negligente de Eitzel e seus comparsas. Os devotos conhecem de cor cada palavra de "Kathleen" ("United Kingdom", 1990), de "Last Harbour" ("California", 1988), de "I've been a mess" ("Mercury", 1993) ou de "What holds the world together" ("San Francisco", 1994 - já agora, a resposta à pergunta do título da canção é simples: "o vento soprando nos cabelos de Gena Rowlands"; pode haver pergunta e resposta mais bonita?). Em "Love songs for patriots" há três e assumidas, até porque retornam às eternas obsessões de Eitzel: "Another morning", "Patriot's Heart" e "Home".

Em "Patriot's heart" retorna-se à imagem da América decadente. "O patriota da canção é um 'stripper' que tira a roupa para pagar a coca", diz Eitzel, e ficam a saber que o seu nome verdadeiro é "Spanky" (bonito...), e que o bar que inspira a canção pode ser encontrado no Ohio, sítio que Eitzel define como "horrível, sujo".

E pronto, estamos em território Eitzeliano. Porque é que Eitzel frequenta um sítio "horrível"? Oh, pelas melhores razões, claro. "Em São Francisco [onde Eitzel vive] temos desses sítios, mas são 'gentlemen's clubs'. Mas eu gosto do sujo, é mais verdadeiro". E agora tentem perceber como funciona a cabeça do senhor Eitzel e como ele procede à identificação do honesto com o sujo e do limpo com o cínico. "Sempre que vou a um sítio chique fico a pensar que as pessoas me estão a olhar e que pensam que eu vou roubar alguma coisa" - lembramo-nos daquele número da revista Uncut em que, furioso, Eitzel respondia a um inquérito acerca de cinema em que explicava que via os filmes em casa para não ir às salas porque "basically, I hate people"; é a paranóia narcisista e incapaz de ver para lá da ponta do nariz (e nem sequer gosta do dito); vale que dá para fazer canções.

Se em "Patriot's heart" é a América que está em jogo (e a decadência), em "Home" volta-se à obsessão pela marginalidade. "Eu estava num bar e um puto que era DJ de 'deep trance', como se isso me interessasse, pôs-se a falar comigo. Eu era um velho junto ao balcão e só queria beber a minha bebida. E ele sempre a dizer 'sabes qual é o teu problema? Não tens amor suficiente na tua vida. Eu vou para casa e tenho a minha namorada à espera.' E eu fodido, não tinha ninguém à espera, disse-lhe 'Vai-te foder mais às tuas teorias de merda'. E estava a ir para casa e só me ocorreu pensar 'the only thing left in this world that bothers to hate me is my pride'". Frase que, curiosamente, é a porta de entrada do refrão de "Home", e que diz bem do imaginário do pastor sem rebanho. (Que mais não seja, a identificação do ódio com algo de vivo e puro.)

"Home" é uma canção tão mais importante quanto tivermos presente a vida de Eitzel: filho de um engenheiro naval que trabalhava para a Marinha dos EUA, tendo crescido de um lado para o outro, entre França, Taiwan, a China e a Inglaterra. Isto, definitivamente, marcou Eitzel. Mais ainda: assistiu em directo à explosão do punk, em Inglaterra, aderiu ao movimento e quando voltou aos EUA isso apenas serviu para acentuar a sua tendência marginal (e de sentir um marginal desenraizado).

"Era o único punk no 'campus' e ninguém falava comigo", diria, recordando esses belos dias. Acresce dizer que foi aos 14 anos que assistiu ao primeiro concerto punk. Foi também aos 14 que provocou a sua primeira bebida alcoólica, um dry martini. "Adorei. Tanto que nunca mais deixei". E é este o meio, são estas as circunstâncias que constroem Eitzel e que mais tarde se vão reflectir no trabalho a bordo dos AMC: um sentimento de não-pertença e desenraizamento, a capacidade de em duas frases nos desarmar (o homem é, no mínimo, bastante lido); a obsessão com o sucesso, com as figuras de sucesso, a vontade de vender muitos discos - que levaram ao fim dos AMC. E, claro, a decadência.

Já que, até aqui, o Hoper (de Edward, o pintor norte-americano) dos pobres ainda se dava ao trabalho de responder abalançámo-nos a perguntar porque é que em "Myopic Books" Eitzel retorna à imagem da mãe ("she new what was to be lonely", canta a guitarra) e em "Another Morning" ("and I won't bring you another morning with Kathleen", como se se dirigisse aos ouvintes eternos e sedentos de sangue biográfico) a Kathleen Burns, ex-namorada, vítima de excesso de SIDA ou vida. "Estou a acertar contas com as mulheres da minha vida", e "Kathleen foi a melhor poetisa que conheci".

a viragem. Foi justamente em "United Kingdom", com "Kathleen", que se deu a viragem na carreira dos AMC. Não em termos de vendas (nunca ninguém lhes ligou nenhuma) mas sim de música. Até então havia uma grande preponderância das guitarras sujas, por um lado; por outro mudou a abordagem às palavras: o que até então era a descrição de situações sórdidas (putas, drogas, desafecto, auto-mutilação, prisões) começa a tomar um foro mais abstracto, a escrita ganhou contornos crísticos, a linguagem apela, por vezes, à escatologia, canções pontuadas por tiradas venenosas perpassadas por uma espécie de anti-moral de desespero.

"Kathleen" é um belíssimo exemplo do imaginário Eitzeliano: "When no one cares for you/ You're made of straw/ No appointments to keep/ No human law". Retirando factos e descrições, deixando as situações e personagens a pairar no ar, Eiztel atingia aquilo a que todos almejam: a universalidade. Bastava isto: "no human law". E tudo numa canção em que havia apenas o espectro de uma melodia que nem chegava a sê-lo, à guitarra e banjo.

Não foi sempre assim: Eitzel conheceu Vudi (única declaração de Vudi acerca de Eitzel: "o gajo é demasiado sensível"), o guitarrista, em 1981, mas os AMC só chegaram à edição em 1986, ainda por cima com um disco que renegaram, "The restless stranger". Já aí havia a mistura de todas as músicas americanas que mais tarde inspirariam os Uncle Tupelo (e, consequentemente, os Wilco), os Whiskeytown, Will Oldham e toda essa geração. "Engine" (1987) e "California" afinanaram a fórmula, "Everclear" (1991) foi a primeira maravilha, "Mercury" a obra-prima absoluta. É em "Mercury" que se encontra melhor sintetizado o mundo de Eitzel: canções como "Gratitude walks", "I've been a mess" (leiam: "Lazarus wasn't grateful for his second wind/ For another chance/ watch his chances fade like the dawn and leave", e depois: "Your beauty is just a slap in the face/ That's gonna bring me back to life/ Back to another sky that's blue/ It's gonna turn me into another great American zombie") ou "Hollywood, 4-5-92" ("My revenge against the world is to believe everything you say") não perderam um miligrama de pungência e de força. Ainda arrasam, na sua luxúria devastada. Ainda. Não acreditam? Então leiam as palavras de "Johnny Mathis' feet": "Why do you say everything as if you were a thief?/ Like what you've stolen has no value/ Like what you preach is far from belief?" e imaginem o desabar das cordas sobre a voz em pranto. Ainda arrasa.

Por esta altura já Eitzel tinha uma longa história de alcoolismo, uma relação tumultuosa com Kathleen Burns (com quem viveu uma desequilibrada relação durante oito anos) e a vagabundagem no sangue. Também já tinha sido eleito "compositor do ano" pela Rolling Stone, recebido os maiores elogios de Michael Stipe e de Eddie Vedder (enfim, a gente não controla quem gosta de nós), mas nada de dinheiro nem paz. Seguiu-se "San Francisco", que baixava a fasquia (apesar de meia-dúzia de canções extraordinárias) e entre a morte de Kathleen e da mãe e a falta de dinheiro, Eitzel perdia a paciência e lançava-se a solo (resultado: ah, o habitual, claro: discos belíssimos, tanto à guitarra - "'Caught in a trap..." -, como excelsos de arranjos - "60 Watt silver lining"; ninguém ligou nenhuma.) Dizia que nunca mais tocaria com os AMC, que a coisa tinha acabado mal, que a amizade tinha acabado.

(Se até aqui parece estranho só se falar de Eitzel ficam a saber que não, não há nada de estranho nisso. Eitzel é os AMC. É ele a força-motriz. Não é apenas o facto de compor - "antes de ser um compositor sou uma pessoa medíocre" - ou de escrever, é a eterna inquietude.)

"Ainda somos amigos", diz agora Eitzel, "à excepção do Bruce [Kaphan, o homem da slide-guitar] que nunca mais manteve o contacto com nenhum de nós." Kaphan ficou de fora da reunião, por uma razão: "acima de tudo queríamos divertir-nos" e isso seria "impossível com as coisas que ficaram por resolver com o Bruce". Essa nova atitude ("deve ser da idade") reflecte-se não na composição ("nunca penso no processo, tenho medo de ter consciência do que estou a fazer, dessa consciência diminuir a intensidade do que estou a fazer, prefiro andar às cegas") mas no método: "antes era muito difícil fazer canções com eles. Esforçávamo-nos imenso. Agora não. Chegamos e tocamos. É tudo".

Curioso como este "é tudo", perante uma carreira de vinte anos e um novo disco da dimensão de "Love songs", nos faz pensar que este homem diz sempre tudo como se fosse um ladrão cujos furtos não tivesse valor. Ou um padre. Que muito, muito lentamente, começa a ter igreja. Depositamos todas as nossas esperanças aos pés de Eitzel.

quinta-feira, novembro 18, 2004

Satisfação

Os leitores (se porventura ainda existir algum) contentem-se em saber que ando muito ocupado. Mas em breve, estarei atualizando esta página com mais freqüência.


American Music Club - Love Songs For Patriots (Merge, 2004)
Por João Bonifácio in Público
Kathleen morreu, pela primeira vez, em 1990, numa canção homónima dos American Music Club em que o seu há muito namorado, Mark Eitzel, gritava os carcinomas pulmões afora, assim: "When no-one cares for you/ you're made of straw".
Depois, há dez anos, Kathleen Burns caiu do topo de uma seringa, a queda ampliada pela gravidade da SIDA, os American Music Club (AMC), depois de uma mão-cheia de obras-primas de febril desafecto e indiferença geral, fechavam as portas, e Eitzel, orfão de pais, de mulher e de banda, iniciava a vagabundagem a solo, um primeiro (extraordinário) álbum ao piano, com metais e orquestrações, de novo a falta de dinheiro, os pés de palha e a garrafa de versos que ciclicamente afundavam no gargalo a impotência.E dez anos depois de a morte de Kathleen ter atirado os AMC para as prateleiras do opróbio de culto e Eitzel para a eterna imagem do andarilho, dez anos depois, Vudi, o homem da guitarra nos AMC, pega na mão do companheiro de ressacas, faz-lhe ver que há um idiota lobotomizado à frente do país e Eitzel (raiva, cuspo, sangue, vísceras e demasiada inteligência em cada vocábulo) aperta os testículos aos EUA e acaba com a culpa: à segunda canção, "Another Morning", ele enterra Kathleen pela terceira (e, segundo diz, última) vez, assim: "And I will not bring you another morning/ another morning with Kathleen".
Eitzel atira o fantasma da culpa para o baú e pela primeira vez os American Music Club são mais políticos que intimistas e em "Love songs for patriots" já não despejam gasolina pela garganta de cada um de nós abaixo antes de nos oferecerem um cigarro, não, agora o homem até canta "Only love can set you free/ and I've been so lucky", não, "Love songs" é feito de outra matéria, matéria externa, e não devia ferir. Não devia - mas fere.Logo à primeira um riff ferrugento de guitarra introduz a récita de Eitzel: "Ladies & Gentleman, it's time for all the good in you to shine" - piano, sons dissonantes, percussão jazzy intoxicada - e um país chamado à liça da escolha. Seco, duro, punk num bar de veludo rasgado - e a frase: "If you can't live with the truth/ try and live with a lie". Com dedicatória e beijinhos para o Georginho.
O Georginho que podia ser o stripper de "Patriot's Heart", os graves do piano cravados em cada estrela da bandeira, camadas de sons a vagabundear pela decadente arrogância americana - e Eitzel a divertir-se com a identificação entre a América e um stripper: "and dollars pour like ashes/ from the patriots heart/ c'mon grandpa, remind me what we're celebrating/ and how you made a dead man come".
Quinta canção e "Job to do" traz, pela primeira vez, AMC vintage: a guitarra dedilhada e depois o acorde menor com a banda a desabar num turbilhão de ruído e feedback ainda mais sujo. A coisa acalma em "Mantovani the mind reader" (Eitzel com piano à Waits dos primeiros anos e voz de insónia), volta à marca AMC em "Home" e depois isto (mas isto não se explica, isto não diz nem por um segundo do desespero desta voz): "Home, home, home, I hope I make it home", com o simples truque da repetição do fonema ("ho") por cima de um mesmo acorde de piano martelado a dar, só por si, a ideia de âncora que se associa a lar.Chega-se ao fim da estrada e até a gravilha se ama - e Eitzel pode cantar "maybe the worst is over" numa canção ("Myopic books") dedicada à mãe - e é como se os dez últimos anos não tivessem passado: os arranjos de metais, a meticulosa arquitectura de punições sonoras a devir em bálsamos de melodias delicadas, o esqueleto desassossegado do baixo e da bateria afogados em Mingus e a sonoplastia suja, infectada, das guitarras e dos órgãos ciclotímicos, o carrossel de sons mínimos que soam a distúrbios psiquícos e obriga a audições sucessivas para nos habituarmos - nada mudou. Há, talvez, um olhar ainda macerado, mas agora crente em si mesmo. Aqui e ali, há esperança.
"The horseshoe wreath in bloom" (magnífica) chega a ser quase pop (e de uma ironia afiadíssima). A América continua a merecer um esventramentozito de quando em vez. Eitzel parece menos o rei-palhaço da beira de estrada e mais humano. A purga soa mais que nunca a bênção e nós, nós somos ainda a mesma miséria - apenas um pouco menos piores que ontem porque temos "Love Songs...". Aproveita-se e agradece-se à demagogia disfarçada de pragmatismo de George W. e cronistas ao seu serviço - ao fim e ao cabo, são eles a inspiração para uma obra-prima. Sim, obra-prima.

sexta-feira, setembro 17, 2004

Pintores da lua, do sol e da casa vermelha

Sun Kil Moon


Por Jorge Reis

Os Sun Kil Moon são os Red House Painters. Ou, para ser mais exacto, ambos são Mark Kozelek e alguns amigos. Sabe-se que, por questões do foro da indústria discográfica, Kozelek está impedido de utilizar, fora da Sub Pop, o nome que lhe deu reconhecimento.

E como um artista impõe a sua arte mesmo na adversidade, mudam-se os nomes, continuam-se as vontades.Senão veja-se a companhia: Jerry Vessel (o eterno baixista dos Red House Painters), a espaços; Anthony Ksoutos (o eterno baterista), de corpo inteiro. Se pensarmos que o guitarrista Gorden Mack gravou os quatro primeiros álbuns dos Painters, Phil Carney o último, e Kozelek fez de Songs For a Blue Guitar um trabalho a solo com nome de banda, os Sun Kil Moon são os Red House Painters e os Red House Painters são Mark Kozelek.Complicado? Não. Ditador absoluto da sua arte, rodeia-se de alguns músicos e permite o sonho. Ou então, apenas da sua guitarra e alcança a paz.

Mark Kozelek é a marca distintiva de todos estes nomes.Iniciados em 1992 com Down Colorful Hill, os Red House Painters ganharam imediatamente o respeito e a admiração do público. A sua melancolia, pontuada pela voz sofrida de Kozelek, pelos floreados de guitarra de Mack e pela serena secção rítmica de Ksoutos e Vernel, criou um séquito de ouvintes que os elegeram como porta estandarte do sad core. A têmpera finissecular, capaz das maiores tristezas, tinha nos Red House Painters, a partir daí, o emblema.Mas este primeiro álbum era apenas um conjunto de demos melhoradas que Mark Eitzel tinha feito chegar a Ivo Watts-Russel, líder incontestado da 4AD e da década que lhe deu nome, entretanto terminada. O segundo álbum , rodeado de meios de produção inimagináveis para Kozelek há poucos meses a essa parte, foi gravado obsessivamente em busca da perfeição.

Quando saiu, em 1993, apenas com o nome da banda e uma montanha russa na capa, foi notório que a tinha atingido. O êxito foi tão estrondoso quanto foi decidida a edição alguns meses depois de mais um longa duração, com outtakes e versões deste último. Katy Song, Mistress, New Jersey ou Grace Cathedral Park afirmaram definitivamente os Painters no universo da música alternativa.Expondo-se mais, Kozelek retirou o reverb da voz e, no álbum de 1995 (Ocean Beach), sussurrou lentas sílabas ao ouvido dos seus inúmeros seguidores. Com uma capacidade invulgar, tanto na composição como na interpretação, ofereceu músicas como Shadows ou, a agora por ele renegada, Drop.

Em 1996, Kozelek pediu ajuda a alguns amigos, deu algum descanso aos seus companheiros de caminhada (tanto descanso que Gorden Mack deixaria a banda nessa altura) e gravou Songs for a Blue Guitar. Ivo Watts-Russel, em busca do passado, não entendeu o seu arrojo em músicas como Make Like Paper ou a versão Silly Love Songs dos Wings – onde uma guitarra destorcida impunha a sua voz –, e a separação foi inevitável. Os quatro álbuns e um EP gravados na 4AD foram motivo da antologia Retrospective de 1999. Songs for a Blue Guitar foi editado pela Island.

Entretanto, apoderou-se de Kozelek um caminho novo. Gravado em 1998, já com os seus dois antigos músicos e Phil Carney no lugar de Mack, Old Ramon estaria na prateleira de uma editora entretanto reestruturada (a Island) até que Kozelek o resgatou e o editou pela Sub Pop em 2001. Demonstrando a sua fantástica capacidade de composição, interrompe no entanto um percurso ascendente com uma produção menos cuidada. Entregue a novos projectos (Take Me Home, tributo a John Denver que organizou e onde colabora com três temas, The Shanti Project Collection onde tem quatro, de entre eles a magnífica versão dos Génesis de Follw You Follow Me, os dois álbuns a solo na Badman – Rock’n’Roll Singer – com a fabulosa música Ruth Marie – e o inesperado What Next to the Moon, inteiramente composto por versões dos AC/DC e o registo ao vivo White Christmas Live), apenas em 2003 viria a retomar a edição em nome não próprio com este Ghosts of the Great Highway.

Não estando ao nível dos iniciais Red House Painters, não desemrece o percurso de dez anos do seu mentor. A voz menos presente, as guitarras mais sonantes e, pasme-se, uma guitarra portuguesa em alguns temas, demonstrando a sua ligação com o nosso país, afirmam que Kozelek ainda tem muito para oferecer à música e que novos desafios se lhe deparam.

(Dessa relação com Portugal já nasceram um álbum (If You Want Blood, editado pela Música Alternativa, que reúne os seus dois registos a solo) e um livro (Noites de Atropelo, editado pelas Quasi Edições) ambos em primeira edição em Portugal.) Ghosts of the Great Highway é um álbum extremamente interessante onde as composições são simples e enormes e a voz de Kozelek a melancolia decantada do crepúsculo.

Red House Painters




sábado, agosto 28, 2004

Leonard Cohen completa 70 anos e lança seu 11.º álbum, Dear Heather





Às vezes tenho uma certa impressão de que Leonard Cohen deverá se perpetuar e algo me diz que suas músicas ainda terão mais popularidade que possuem. Se bem que Cohen não precisa ser perpétuo ou popular.

O cantor canadense é um dos poucos a manter uma verdadeira legião de fãs que formam a galeria dos "Beautiful Losers", repleta de membros em todos os continentes.A carreira de Cohen não é das mais prolíficas. Seu primeiro disco foi lançado quanto ele ja tinha vivido seus 34 anos de escritor promissor e de "Songs of Leonard Cohen" de 1968 até o vindouro "Dear Heather" o canadien errant gravou apenas 11 álbuns.

Agora é só esperar "Dear Heather", disco significativo pelo fato de Cohen estar a completar 70 anos dia 21 de setembro. O álbum será lançado em 25 de outubro na Europa e 26 em outros países.

Os Beautiful Losers estão salivando.




sábado, maio 22, 2004

Este post é sem propósito. Não tem nada a informar e não acrescenta nada. Meu blog é nada coisa nenhuma. Não tem nada de mestre. Nenhuma fagulha de Peter Greenway, a beleza de Hope Sandoval nem a elegância dos Tindersticks.





Peter Greenway, fotografado por Sebastião Salgado

sábado, maio 01, 2004




Ron Sexsmith - Retriever
(Nettwerk America, 2004)


Se por uma fração de segundo desvias os olhos e procuras absorver todos os pormenores estéticos, utilizando todos os sentidos para, talvez, tornar-se parte, é possível que estejas próximo, sem obediência nenhuma, da paixão.

E se esta paixão resumir-se a uma trilha sonora? E se as palavras que perseguem a melodia transparecessem versos a falar de lembranças e sentimentos, encadeadas por símbolos, quebra da sintaxe e da pontuação? Uma solução intimista? São com estas cores que se misturam em uma imagem desfocada, com bela harmonia que Retriever se define.

O sétimo álbum de Ron Sexsmith é um convite difícil de se recusar a um universo pictórico com atmosfera, nuvens e arrebóis. O cantor não surpreende ao fazer de Retriever um dos lançamentos mais agradáveis de 2004. É um dos poucos cantores que ainda sabe unir bom texto e melodia com senso de responsabilidade. Se em “Hard Bargain” ele equipara as dificuldades de uma relação amorosa a um difícil acordo financeiro, em “Not About To Lose”, descarta a perda de sentimento e, “Tomorrow in Her Eyes”, executada ao piano (como Paul McCartney), saca alegrias futuras : “I see tomorrow in her eyes / And where my future lies / So I don't need a crystal ball / At all because I've seen tomorrow / In her eyes”.

Os temas de Retriever não são impassíveis. Quando Sexsmith refere-se a dor (“I Know It Well”), esperança (“How on Earth”), sofrimento (“Dandelion Wine”) e solidão (“Imaginary Friends”) ele sabe bem do que está falando. Ele vive todos estes instantes e deles extrai a matéria-prima para suas canções. A busca de felicidade está sublimada em todas as palavras de “Hapiness”: “Happiness so hard to come by / So good while it lasts / Some people say /That it ain't worth pursuing / Cos' it's always moving too fast”. A compaixão tem moradia em “For The Driver”, canção reflexiva sobre as dores dos soldados, condutores e crianças “I feel for the soldier / In the throes of war / Sent off to settle someone else's score / For the ones involved / And the most unloved I feel / I feel for the soldier”.

Outras canções caputram o ouvinte pelas pegadas magnéticas. É o caso do soul setentista “Whatever It Takes” e de “Wishing Wells”.

Certamente Retriever será ignorado pelas listas de melhores de 2004. Há tempos Ron Sexsmith lapida seus cristais e não é plenamente reconhecido, embora tenha o aval de Elvis Costello, Joni Mitchell e Chris Martin. Melhor assim, pois é um trabalho que poderá ficar muito tempo no CD player apenas pela música. Isso já é o bastante.

sexta-feira, abril 30, 2004






A Julgar pelo single "Ch-Check it Out", os Beastie Boys voltarão - como diria minha avó, minha mãe, minha namorada e minha mania de expressões gastas - por cima da carne seca.


eu os amo.


P.S.: O videoclipe também é sensacional.